segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Mundo Através do Focinho - Por Ivan Chitolina


Querido leitor, para entendermos um pouco melhor o principal sentido dos cães, se faz necessário que você participe desse pequeno desafio. Por alguns minutos ou mais, feche os olhos e interaja com as pessoas a sua volta, sente na sala com a TV ligada, caminhe pela casa, etc. Você não deve enxergar nada. Conseguiu? Imagino que deva ter sido difícil assim como foi para mim. O sentido da visão é o que nos dá a percepção do mundo exterior, sem ela seria impossível identificarmos e discriminarmos as coisas.
A mesma dependência que temos do sentido da visão para percepção, identificação e discriminação das coisas que nos rodeiam, os cães têm de outro sentido, o olfato.
Mas afinal o que é o olfato? É o sentido que se distinguem os odores, ou seja, a emanação volátil dos corpos é percebida pelo olfato. O quanto o olfato dos cães é “sensível” a uma molécula de odor, está relacionado com a solubilidade e condutividade dessa partícula, bem como com as condições condicionantes do comportamento de discriminar, selecionar e “valorizar” a busca por essa partícula especifica.
Imaginem que na cavidade nasal do cão as ramificações dos nervos olfativos chegam a 160 centímetros quadrados, enquanto que no homem só ocupa 5 centímetros quadrados. Essa condição explica porque o cão é um farejador e porque seu comportamento e linguagem são habitualmente nasais. Pensem que através do olfato os cães têm capacidade de formar na mente imagens visuais de coisas que não estão à vista ou imagem daí resultante. Para aprofundar melhor sobre como se dá a associação do odor a imagem, se faz necessário que o leitor leia sobre a teoria do imprinting ou estampagem animal desenvolvida e comprovada pelo famoso etólogo Konrad Lorenz. As pessoas que se propõem a treinar qualquer cão para qualquer função que exija dele o uso do focinho, precisam ler e estudar sobre odor e a sua relação com imprinting animal, dentre muitas outras coisas. Somente assim elevamos o conhecimento nessa área, em detrimento de fórmulas mágicas de “gurus e dinossauros” do adestramento no Brasil. Outro aspecto importante é saber reconhecer e discriminar que o ambiente fechado no qual os cães são treinados para alguma modalidade esportiva, é diferente da complexidade encontrada em uma busca real, onde não controlamos o meio.
Em minha experiência como voluntário do grupamento de busca e resgate sul paulista, tive o imenso privilégio em ver os cães em treinamento na procura pelo figurante que se escondia, e em diversos níveis de dificuldade. Posso afirmar que é muito interessante observar o cão trabalhando o seu olfato e discriminando odores e o condutor treinando a sua observação e leitura de tudo o que está acontecendo ao seu redor. Principalmente nas expressões corporais do cão. Não é um trabalho fácil, exige muito estudo, dedicação, tempo, pessoas interessadas em treinar e dinheiro. Hoje existem cães treinados para detectar câncer de próstata e diabetes. Esses cães têm nos auxiliado muito na área de prevenção de doenças e a ciência têm descoberto cada vez mais funções para os cães em várias áreas. Podemos dizer que houve um avanço significativo na utilização dos cães levando em consideração que inicialmente os cães eram utilizados somente para fins militares e ostensivos.
Entender o papel do odor nos cães esclarece muitas dúvidas a respeito do comportamento do cachorro. Algumas delas eu irei explicar abaixo no formato de pergunta e resposta que meus clientes me fazem.

“Meu cachorro é um porco. Quando ele chega do banho ele vai logo se sujar na terra e na grama e fica se arrastando na parede. Porque ele faz isso?”
Nem sempre o que é bom para nós, é bom para eles. Nós nos sentimos limpos quando estamos com o odor de shampoo e sabonete, porém com os cães a coisa é diferente. Quando damos banho nele, retiramos por um tempo a sua identidade e assim que ele retorna a casa ele se esfrega nos locais que o seu odor está mais significativo para reaver a sua identidade de volta.

“Porque os cães cheiram o rabo um do outro?”

O odor emanado pelo ânus do animal carrega várias informações nutricionais, bem como do seu estado de saúde e sensações que estão ocorrendo, como o medo por outro cão por exemplo.

“Quando eu chego em casa, o meu cão me enche de ‘beijos’.

O seu cão o lambe, pois ao fazer isso ele obtém informações de cheiros e gostos que você trouxe da rua. Muitos donos acham isso legal e acabam recompensando o cachorro durante as lambidas. Isso aumenta a freqüência das lambidas, pois foi condicionado pelo dono e associado pelo cão como um ato que resulta em atenção e carinho para o cachorro.

Embora estudos científicos demonstrem a capacidade olfativa dos cães e a sua devida utilização em vários casos, ainda haverá donos que irão preferir “entender” o seu animal de acordo com as significações que ele quiser, descartando a ciência. Para os treinadores, existirão aqueles que irão descartar a etologia, a psicobiologia, o comportamentalismo e a genética e vão sair dizendo aos quatro cantos que eles é que inventaram um novo método de adestrar, um novo método de fazer o cachorro farejar. Todos os outros estarão errados, porque somente o deles funciona. E sempre haverá aqueles que necessitarão de um “mestre” para ser o seu seguidor e papagaiar aos quatro cantos.

O conhecimento não agride, pelo contrário, ele liberta. Não vende e é pesado.

Ivan Chitolina - Educador Canino

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns pela matéria...

Concordo perenptóriamente, com esta frase que você terminou a sua matéria. Todas as pessoas independente daquilo que elas venham a exercer proficionalmente, ou intelectualmente, todos devem se especializar. Mas apenas quero salientar, que no seu caso além do conhecimento você também tem carisma, o que é muito importante.

Moisés.

Ivan Chitolina disse...

Obrigado Móises pelos elogios. Também concordo com você, menos pela questão de eu ter carisma. Abração.